sábado, 28 de novembro de 2009






Extrema Unção

"A ambulância chegou ao destino e quando vi, estava deitado numa mesa, ouvindo perguntas: qual era a minha religião? Onde tinha nascido? Havia ficado devendo alguma conta anterior ali no hospital ? Qual a data do meu nascimento? Pais ainda vivos? Casado? Tudo o que se possa imaginar. Falam com um sujeito como se estivesse na maior lucidez; nem se dão ao trabalho de fingir que a gente não vai morrer. E não tem a mínima pressa. Com isso o cara se acalma, mas não por causa deles: são movidos pelo tédio e pouco estão ligando se a gente morre, sai voando ou dá um peido.
Não, peidar já é considerado um exagero.

- Mr. Bukowski .- anunciou - não podemos lhe dar mais sangue. O senhor não dispõe de crédito para transfusão. Sorria. Estava me comunicando que iam deixar que eu morresse.
- Tudo bem - retruquei.

- Quer falar com o padre?
- Pra quê?
- Na sua ficha de entrada o senhor botou que é católico.
- Botei por botar.
- Por quê?

- Porque já fui. Se a gente põe que não tem religião, as pessoas fazem uma porção de perguntas.

- Pra nós o senhor é católico, Mr. Bukowski.
- Escute aqui, pra mim tá difícil falar. Tô morrendo. Tá legal, tá legal, sou católico, faça o que bem entender.
Uma hora acordei e dei com o padre parado a meu lado.

- Padre - pedi, - por favor, vá embora. Posso morrer sem isso.
- Quer que me retire filho?

- Quero sim, padre.
- Perdeu a fé.
- Perdi, sim.
- Meu filho, quem é católico, nunca deixa de ser.

- Pura onda padre.
Na cama ao lado, um velho chamou:
- Padre, padre, quero falar com o senhor. Fale comigo padre.
O sacerdote foi pra lá. Fiquei esperando a morte. Você está careca de saber que acabei não morrendo, senão não estaria aqui escrevendo tudo isso..."

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