domingo, 27 de dezembro de 2020







 



Assassinato


"Competição, ganância, desejo de fama –
depois de ótimos começos 
eles na maioria das vezes
escrevem quando não querem escrever, 
escrevem por encomenda, 
escrevem em troca de Cadillacs 
e garotas mais jovens – e para pagar
velhas esposas descartadas.

Eles aparecem em talk shows,
frequentam festas 
com seus pares.
A maioria vai para Hollywood, 
eles viram franco-atiradores e
bisbilhoteiros
e têm mais e mais casos com garotas e/ou
homens mais e mais jovens.

Eles escrevem entre Hollywood e as festas,
é escrita com relógio de ponto
e no meio das calcinhas e/ou dos
suportes atléticos
e da cocaína,
muitos deles dão jeito de se complicar com a
Receita Federal.

Entre velhas esposas, 
novas esposas, 
garotas mais e mais novas (e/ou)
todos os seus adiantamentos e direitos autorais –
as centenas de milhares de dólares –
são agora subitamente dívidas.

A escrita vira um espasmo 
inútil,
a punheta de um dom
outrora poderoso.
Isso acontece e acontece e
continua igual:
a mutilação do talento
que os deuses raramente dão 
mas tão rapidamente tiram."










 


O que estou fazendo?


"Preciso parar de enfrentar esses corredores
enlouquecidos na autoestrada,
enquanto rugimos por aberturas 
estreitíssimas com estéreo ribombando sem parar
ao meio-dia,
e no entardecer
e na escuridão,
quando na verdade tudo que queremos 
é sentar em frescos jardins verdes
conversando calmamente com bebidas na mão.

O que nos faz ficar desse jeito? 
– unhas encravadas?
 – ou o fato de que as
mulheres não são suficientes? 
– que tolice nos faz beliscar o nariz da
Morte continuamente?
Será que temos medo do lento urinol? 
– ou de babar sobre ervilhas malcozidas 
trazidas por uma enfermeira entediada 
com estúpidas pernas grossas?

Que temerário impulso estouvado 
nos faz pisar fundo com
uma só mão na direção?

Não temos noção da paz de envelhecer
suavemente?
Que maldito grito de guerra é esse?
Nós somos os mais doentes da espécie
 – enquanto bons museus
 – a grande arte –
gerações de conhecimento – 
são todos esquecidos,
enquanto vemos profundidade 
no fato de sermos babacas –
vamos acabar virando fotografias 
– quase em tamanho natural 
– penduradas como advertência na
parede do Tribunal de Trânsito.

E as pessoas vão estremecer 
só um pouquinho e virar o rosto
Sabendo que
ego demais não é
suficiente."







 




Praticando


"Van Gogh cortou fora sua orelha
e a deu para uma
prostituta
que a jogou longe com
extremo desgosto.

Van, putas não querem
orelhas,
elas querem
dinheiro.

Acho que é por isso que você foi
um pintor tão genial:
além da pintura você
não entendia muita coisa."





quinta-feira, 24 de dezembro de 2020






Sorrindo, Brilhando, Cantando



"Minha filha parecia uma Katharine Hepburn 
muito jovem na apresentação de Natal 
da escola primária.
Estava lá com os outros
sorrindo, brilhando, cantando
no vestido longo que eu tinha comprado pra ela.

Ela parece a Katharine Hepburn, 
falei à mãe dela
que estava sentada à minha esquerda.
Ela parece a Katharine Hepburn, 
falei à minha namorada
que estava sentada à minha direita,
a vó da minha filha estava a dois assentos de mim;
não falei nada pra ela.

Nunca gostei das atuações de Katharine Hepburn,
mas sempre gostei de sua aparência,
de sua classe, sabe,
alguém com quem você podia conversar na cama
por uma hora e meia antes de pegar no sono.

Posso ver que minha filha vai ser uma
mulher belíssima.
Um dia, quando eu estiver bastante velho,
ela provavelmente vai me trazer o urinol
com um sorriso dos mais amáveis.
E ela provavelmente vai se casar 
com um caminhoneiro que
caminha pesadão
e joga boliche todas as quintas à noite
com a rapaziada.

Bem, nada disso importa.
o que importa é o agora.
Sua avó é uma grande mulher de rapina.
Sua mãe é uma liberal psicótica e amante da vida.
Seu pai é um bêbado.
Minha filha parecia uma Katharine Hepburn muito jovem.

Depois da apresentação de Natal,
nós fomos ao McDonald’s 
e comemos, e alimentamos os pardais.
Faltava uma semana para o Natal.
Estávamos menos preocupados com isso 
do que nove décimos da cidade.

Isso é classe, nós dois temos classe.
Ignorar a vida no momento certo 
exige uma sabedoria especial:
como um Feliz Ano-Novo para
todos vocês."




terça-feira, 22 de dezembro de 2020

 



Encômios


"Após a morte
exageramos as boas qualidades de alguém,
nós as inflamos.

Durante a vida
frequentemente sentimos repulsa pela mesma pessoa
enquanto falamos com ela ao telefone
ou só de estar no mesmo aposento.

E frequentemente criticamos o jeito como
andam, falam, vestem-se
vivem
creem.

Mas é só morrerem,
então que criaturas elas
se tornam.

Se apenas em uma cerimônia fúnebre
alguém dissesse,
"que indivíduo odioso
esse aí foi!"

Que em meu funeral
haja só um pouco de verdade,
e depois a boa e limpa
poeira."





domingo, 20 de dezembro de 2020






Recitais de Poesia



"O principal problema de uma chegada às onze horas da manhã e um recital de poesia às oito da noite é que isso às vezes reduz a gente a uma coisa que eles levam para o palco apenas para ser olhada, gozada, abatida, que é o que eles querem - não esclarecimento, mas entretenimento."









 Anatomia 


"Era um prédio decadente. Logo antes do saguão , ela virou á direita, e eu fui atrás dela por uma escada de cimento, olhando seu rabo. É estranho, mas todo mundo tem um rabo. É quase triste isso. "









 Texana


"Ela é do Texas e pesa 47 quilos
e para em frente ao
espelho penteando oceanos
de cabelos ruivos
que descem ao longo de todas
suas costas até a bunda.

O cabelo é mágico e lança
faíscas quando eu me deito na cama
e a vejo penteá-los.
ela parece uma criatura
saída de um filme mas está
aqui de fato.

Fazemos amor
pelo menos uma vez por dia e
ela consegue me fazer rir
sempre que deseja.
As mulheres do Texas são sempre
saudáveis, e além disso ela
limpa meu refrigerador, minha pia,
o banheiro, e faz comida e
e me serve alimentos saudáveis
e lava os pratos também.

“Hank”, ela me disse,
segurando uma lata de suco de
uva, “este é o melhor de todos”.
Dizia na lata: suco natural de uva
ROSA do Texas.

Ela se parece com a Katherine Hepburn
na época do ensino médio, 
e vejo esses 47 quilos
penteando um metro
de cabelo ruivo diante do espelho
e a sinto dentro de meus
pulsos e no fundo dos meus olhos,
e os dedos e as pernas e a barriga
a sentem, assim como
aquela outra parte,
e toda Los Angeles se desfaz
e chora de contentamento,
as paredes das alcovas tremem –
o oceano invade tudo e ela se vira
e me diz, “maldito cabelo!”
e eu digo,
“sim”.




sábado, 19 de dezembro de 2020

 






Periculosidade 



"Na América os poetas nunca enfurecem ninguém.

Os poetas não se arriscam.

Suas poesias tem cheiro de clínica
onde as pessoas morrem em vez de viver.

Aqui eles não assassinam poetas.

Eles nem mesmo notam os poetas."




terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 





Ruiva de cima a baixo



"Cabelos ruivos legítimos
ela os põe em movimento
e pergunta
“meu rabo continua gostoso?”

Que comédia.
Há sempre uma mulher
pra salvar você de outra
e assim que ela o salva
está pronta para
destruí-lo.

“Às vezes eu odeio você”,
ela disse.
Afastou-se e foi se sentar
na minha varanda para ler meu exemplar
do Catulo, e ficou
por lá cerca de uma hora.

As pessoas passavam de lá para cá
em frente à minha casa,
se perguntando como um
cara tão velho e feio podia arranjar
uma beldade daquelas.
Nem eu sabia.

Assim que ela entrou eu a puxei
para o meu colo.
Ergui meu copo e lhe
disse, “beba isso”.
“oh”, ela disse, “você misturou
vinho com Jim Beam, logo vai ficar
safado”.

“Você passa hena nos cabelos, não?”
“Você não enxerga nada”, ela disse e
se levantou e baixou
suas calças e a calcinha e
os pelos lá embaixo tinham a
mesma cor dos cabelos
lá em cima.

O próprio Catulo não poderia ter desejado
graça mais histórica ou
magnífica;

Depois ele se
enamorou de rapazolas
insuficientemente loucos
para se tornar
mulheres."











Bukowski, "o pesquisador"

"Eu conseguia inventar homens na minha cabeça, pois era um deles; mas, as mulheres, era quase impossível escrever sobre elas sem as conhecer de fato. Assim, eu as pesquisava intensamente, e sempre descobria seres humanos lá dentro. Deixava a escrita de lado. A escrita representava muito menos que o episódio vivido em si, até que terminasse. A escrita era apenas o resíduo."










Pega-pega


" - Por que você quer ter tantas mulheres?
- O problema é com a minha infância. Nunca soube o quer era amor...e carinho. E aos vinte, aos trinta, também tive muito pouco. Estou brincando de pega-pega...
- Você vai saber quando pegar a pessoa certa?
- Tenho a impressão que ainda vai demorar o tempo de toda uma outra vida.
- Você tá é cheio de merda!
- É por isso que escrevo."









Um Nome a Zelar 


"Já tinha fama de pau-d'água, jogador, bofe, malandro, especialista em pegar qualquer boa boca, como poderia ser visto com aquela sacola suja e asquerosa nas costas? Trabalhando entregando jornais cheios de anúncios classificados?"





segunda-feira, 14 de dezembro de 2020






Don't try?


"Bebendo cerveja alemã
e tentando alcançar o
o poema imortal às
5 da tarde.
Mas, ah, eu disse aos
estudantes que a coisa certa
a fazer é não tentar.

Mas quando as mulheres não estão
por perto e os cavalos não estão
correndo
o que mais se pode fazer?

Tive um par de
fantasias sexuais,
almocei fora,
enviei três cartas,
fui à mercearia.
Nada na tv.
O telefone está calado.
Passei fio dental
entre meus dentes.

Não vai chover e eu escuto
os primeiros a chegar das
8 horas de trabalho enquanto
dirigem e estacionam seus carros
atrás do apartamento
ao lado.

Me sento bebendo cerveja alemã
e tento alcançar
o grande poema
e não irei conseguir.

Apenas seguirei bebendo
mais e mais cerveja alemã
e enrolando cigarros
e lá pelas 11 horas
estarei deitado
na cama desfeita,
olhando para cima
acordado sob a luz elétrica
esperando ainda pelo poema
imortal."




 




Quem, diabos, é Tom Jones?


"Por duas semanas
estive dormindo com uma
garota de 24 anos de Nova York 
– na época em que ocorria a greve
dos lixeiros, e certa noite
minha antiga mulher de 34 anos
chegou e disse, “quero ver minha rival”. 
foi o que ela fez
e então disse, 
“ó, você é a coisinha mais querida!”
depois disso reparei que houve uma
gritaria de gatas selvagens –
urros e unhadas,
lamentos de animal ferido,
sangue e mijo...

Eu estava bêbado e só de 
calção. 
tentei separar as duas e caí,
torcendo o joelho. 
Então atravessaram a porta e
avançaram rua afora.

Chegaram viaturas cheias
de policiais. Um helicóptero da
polícia sobrevoou o local.

Fiquei no banheiro
e sorri para o espelho.
Não é comum que coisas
tão esplêndidas assim
aconteçam aos 55 anos.

Muito melhor do que os 
distúrbios em Watts.

A de 34 retornou
para dentro.
Estava toda 
mijada e sua roupa
transformada em farrapos 
e era seguida por dois policiais que
queriam saber a razão daquilo tudo.
Erguendo meus calções
eu tentava explicar."








sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

 






Inocência


"- É verdade!  Você tem muito mais inocência que a maioria dos homens que eu conheci. 
- Num certo sentido, sempre fui virgem."





domingo, 6 de dezembro de 2020

 





Scarlet


"Fico feliz quando elas chegam
e feliz quando se vão.

Feliz quando escuto os saltos
se aproximando de minha porta,
feliz quando esses saltos
se afastam.

Feliz por foder
feliz por me importar
feliz quando tudo termina.


E desde que as coisas ou estão
começando ou terminando
fico feliz a maior parte do tempo.

E os gatos caminham pra cima e pra baixo
e a terra gira em torno do sol
e o telefone toca:

“É a Scarlet”.
“Quem?”
“Scarlet.”
“Certo, pinta aí.”

E desligo pensando
talvez seja isso
entro, dou uma cagada rápida
me barbeio
me banho
me visto
ponho o lixo
e as caixas cheias de garrafas vazias
pra fora.

Me sento ao som dos
saltos se aproximando
parecendo mais a aproximação de um exército
do que o som da vitória.

É Scarlet
e na minha cozinha a torneira
continua pingando
precisando de conserto.
Cuidarei disso mais
tarde.




 




Táxi


"A dançarina mexicana balançava 
suas plumas e seu rabo para mim,
sem que eu lhe tivesse pedido, 
minha mulher enlouqueceu
e saiu correndo do café 
começou a chover
e dava para ouvir os pingos no 
telhado 
e eu estava sem emprego
e me restavam 13 dias 
de aluguel.

Às vezes, quando uma mulher 
corre assim de você
é de se perguntar se não faz isso 
por questões econômicas, 
bem, não se pode culpá-las –
se eu tivesse que ser comido, 
preferia que fosse
por alguém com grana.

Estamos todos assustados,
mas quando você é feio e
está completamente fodido
você se 
fortalece, 
e chamei o garçom e disse,
acho que vou virar esta mesa,
estou 
de saco cheio, pirado,
preciso de 
ação, chame o seu leão-de-chácara,
mijarei na 
clavícula dele.

Fui posto pra fora bruscamente.
Chovia. Dei um jeito de me recompor 
sob a chuva e caminhei pela rua deserta.
Algodão-doce, quinquilharias à venda,
todas as lojinhas fechadas
com cadeados Woolworth de 67 centavos.

Chego ao final da rua a tempo
de vê-la entrar num táxi
com outro cara.
Desabo junto a uma lata de lixo, 
me levanto e mijo nela, 
sentindo-me triste e logo nem tanto,
sabendo que havia coisas demais
que eles podiam 
fazer contra você.

O mijo escorrendo pela lata 
corrugada,
os filósofos deveriam ter algo a dizer sobre
isso.
 
Mulheres.
A sorte delas contra o seu 
destino.
O vencedor leva Barcelona.
Próximo 
bar.









Como você não está fora da lista?



"Os homens ligam e me perguntam isto.

Você é realmente Charles Bukowski?
O escritor?

Sou escritor de vez em quando, eu digo,
na maior parte do tempo eu não faço nada.

Escute, eles dizem, eu gosto das suas
coisas – se importa se eu aparecer aí
com uma dúzia de latinhas?

Você pode trazê-las, eu digo
desde que não entre...

Quando as mulheres ligam, eu digo,
ó, sim, escrevo, sou um escritor.
Apenas não estou escrevendo nada 
neste exato momento.

Me sinto tola ligando para você,
elas dizem, e fiquei surpresa
de achar seu nome na lista telefônica.

Tenho meus motivos, eu digo,
a propósito, por que você não aparece
pra tomar uma cerveja?

Você não se importaria?

E elas chegam
mulheres lindas
boas de corpo e mente e olho.

Frequentemente não há sexo,
mas estou acostumado.
Ainda assim é bom,
bom demais apenas olhar para elas...

E em alguns raros momentos
tenho uma maré inesperada de sorte
para variar.

Para um homem de 55 
que não transou até os 23
e não muitas vezes mais até os 50,
creio que deva continuar listado
na Pacific Telephone
até conseguir o mesmo número de mulheres
que os homens normais conseguiram.

Claro, terei que continuar
escrevendo poemas imortais
mas a inspiração está lá."







 






Para cada homem 
um inferno diferente


"O inferno de cada homem 
fica num lugar diferente:
o meu é logo acima e
atrás do meu rosto
arruinado."



 






Fontes de Inspiração


"- Você fala muito de bebida nos seus livros. Você acha que a bebida te ajudou a escrever?
- Não. Sou apenas um alcoólatra que virou escritor pra poder ficar na cama até a hora do almoço."






 




Hospícios


"Já vi gente mais louca aqui fora - em tudo quanto é lugar que se olhe: nas lojas de ocasião, nas fábricas, agências de correio, butiques especializadas em animais de estimação, nas partidas de beisebol, nos escritórios políticos - do que lá dentro. Volta e meia me perguntava por que estariam assim confinados. Tinha um cara, bastante legal, podia-se falar facilmente com ele, se chamava Bobby, que ninguém dizia que era louco; parecia aliás, bem mais normal que alguns psiquiatras que pretendiam nos curar. Impossível conversar com eles, por rápido que fosse, sem também acabar se sentindo maluco. O motivo da maioria se dedicar a essa profissão é porque vive preocupada com a própria sanidade mental. E examinar a cuca da gente é a pior coisa que um louco pode fazer, todas as teorias em contrário não passando de papo furado.


Bom seja lá como for, voltando à vaca fria - os casos mais adiantados (no sentido de mais próximos, aparentemente da cura) tinham licença para sair às 2 da tarde, nas segundas e quintas, e precisavam regressar lá pelas 5 e meia pra não perder essa regalia. Isso se baseava na teoria de que a gente podia se adaptar, aos poucos, à sociedade. Sabe como é, em vez de simplesmente passar direto da enfermaria dos loucos pra aqui fora na rua. Basta olhar ao redor pra logo querer voltar lá pra dentro. Depois de ver todos os outros malucos que têm aqui fora." 






 



Críticos Literários


"Levantei fui pegar outro drinque. Um rapaz de quase dois metros chegou em mim.
-"Olhe aqui, Chinaski, eu não acredito nessa cascata toda de você morar na boca e conhecer todos aqueles traficantes , cafetões, putas, viciados, turfistas, lutadores e bêbados...
- Em parte é verdade.
- Cascata - disse ele, e se afastou.
Outro crítico literário..."




quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 


O Preço


"Bebendo um champanhe de 15 dólares –
Cordon Rouge – na companhia de putas.

Uma se chama Georgia e
não é chegada em meia-calça:
estou sempre tendo que ajudá-la
com suas longas meias negras.

A outra é Pam – mais bonita
porém meio desalmada, e
fumamos e conversamos e
brinco com suas pernas e
enfio meu pé descalço na
bolsa aberta de Georgia.
Está cheia de frascos com pílulas.
Tomo algumas delas.

“Escutem”, eu digo, “uma de
vocês tem alma, a outra aparência. 
Posso combinar vocês duas? 
Pegar a alma e enfiar na aparência?”

“Se você me quer”, diz Pam, 
“Vai lhe custar cem pratas.”

Bebemos um pouco mais e Georgia
despenca no chão e não consegue 
se levantar.

Digo a Pam que gosto muito
de suas orelhas. 
Seu cabelo é longo e natural e
ruivo.

“Estava de brincadeira quando 
falei em cem”, ela diz.
“Oh”, eu digo, 
“Quanto vai me custar?”

Ela acende um cigarro com
meu isqueiro e me olha
através da chama:
Seus olhos me dizem.

“Olhe”, eu digo, 
“Acho que não poderei pagar 
aquele preço novamente.”

Ela cruza as pernas,
dá uma tragada em seu cigarro
sorri enquanto expele a fumaça
e diz, “claro que pode”.




terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 




Chicago


"Consegui,” ela disse, “Cheguei.”
ela estava com botas novas,
calças e um suéter branco.
“Agora eu sei o que eu quero.”

Ela era de Chicago e havia se mudado
para o distrito de Fairfax, L.A.
“Você me prometeu champanhe,”
ela disse.
“Eu estava bêbado quando liguei. Que tal uma
cerveja?”
“Não, me passa seu baseado.”
ela tragou, soltou:
“Não é lá grande coisa.”
E me devolveu.

“Há uma diferença”, eu disse, “entre
fazer uma coisa e simplesmente torná-la difícil.”

“Gosta das minhas botas?”
“Sim, bem legais.”
“Escuta, tenho que ir. Posso usar
o banheiro?”
“Claro.”

Quando ela voltou tinha a boca muito
pintada de batom.
Eu não via uma assim
desde que era garoto.

Beijei-a a caminho da porta
sentindo o batom grudar em meus
lábios.
“Tchau” ela disse.
“Tchau” eu disse.

Caminhou pela passagem até o carro.
Eu fechei a porta.
Ela sabia o que queria
e não era eu.

Conheço mais mulheres desse tipo
do que de qualquer outro."





segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 





Um Poema para a Velha Dente-Podre


"Conheço uma mulher
que segue comprando quebra-cabeças,
quebra-cabeças chineses
blocos, arames, 
peças que finalmente se encaixam
numa espécie de ordem.

Ela se dedica à questão
de modo matemático,
resolve todos os seus
quebra-cabeças,
vive perto do mar,
põe açúcar para as formigas lá fora
e acredita
definitivamente
num mundo melhor.

Seu cabelo é branco,
raramente o penteia,
seus dentes são podres
e ela veste macacões frouxos
e amorfos sobre um corpo que a maioria
das mulheres desejaria ter.

Ao longo de muitos anos ela me irritou
com o que eu considerava suas
excentricidades:
como mergulhar conchas na água
(para que ao regar as plantas, elas
recebessem cálcio).

Mas finalmente quando penso
na sua vida
e a comparo a outras vidas
mais deslumbrantes, originais e belas
percebo que ela machucou menos gente
do que qualquer outra pessoa que conheço
(e com machucar quero dizer simplesmente machucar).

Ela enfrentou alguns momentos terríveis,
momentos em que talvez eu devesse tê-la
ajudado mais,
porque era a mãe da minha única filha
e uma vez fôramos grandes amantes,
mas ela havia superado essas dificuldades.

Como eu disse,
das pessoas que conheço ela foi a que machucou
menos gente,
e se você olhar para isso pelo que isso significa,
bem,
ela criou um mundo melhor.
Ela venceu.

Frances, este poema é pra
você.








 Pobre Al


"Não sei como ele consegue

mas toda mulher que ele conhece
é louca.
Ele até pode se livrar de uma
mulher louca,
mas nunca obtém o menor
descanso –
outra louca vem morar com ele
na mesma hora.

É só quando já estão na casa
e começam a se comportar
de um jeito mais do que estranho,
que elas admitem para ele
que já passaram por hospício
ou que suas famílias têm
um longo histórico de doença
mental.

A última louca
ele mandava para o psiquiatra
uma vez por semana:
$75 por 45 minutos.
Depois de 7 meses
ela abandonou o psiquiatra
e disse para o Al:
“Aquele maldito veado não sabe de
nada!”

Não sei como todas elas acham o Al.
Segundo ele, não dá pra dizer. 
Á primeira vista
elas ficam resguardadas,
mas depois de 2 ou 3 meses o
resguardo cai
e lá está o Al com
outra louca.

Chegou a tal ponto que Al pensou
ser ele o problema,
então procurou um psiquiatra
e perguntou
e o psiquiatra disse:
“Você é um dos homens mais sãos
que eu já conheci”.

Pobre Al.
com isso ele ficou se sentindo
pior do que nunca."



domingo, 29 de novembro de 2020








Excesso de Bagagem



"Tomei um trago de saquê, frio. As orelhas saltaram e eu me senti um pouco melhor. Sentia o cérebro começando a pegar. Ainda não morrera, só estava em estado de rápida decomposição. Quem não estava? Estávamos todos na mesma canoa furada, tentando nos alegrar. Como, por exemplo, no Natal. É, tira essa merda toda daqui. O homem que inventou isso nunca teve que carregar excesso de bagagem. O resto de nós tem de jogar fora todo o seu lixo só para saber onde está. Bem, não exatamente onde estamos, mas onde não estamos. Quanto mais porcaria a gente joga fora, mais encontra para jogar. Tudo funcionava ao contrário. Ande para trás que o nirvana salta no colo. Claro."










Carpe Diem!


"Levantei-me e fui ao banheiro. Me dava raiva olhar o espelho, mas olhei assim mesmo. Vi depressão e derrota. Bolsas escuras caídas sob os olhos. Olhinhos covardes, os olhos do rato acuado pelo puto do gato. A pele parecia que nem tentava. Que odiava fazer parte de mim. As sobrancelhas caíam retorcidas, pareciam dementes, dementes pêlos de sobrancelhas. Horrível. Uma aparência repugnante. E eu não estava nem querendo evacuar. Todo entupido. Uma vez conheci um cara que ficou dias sem defecar. Acabou explodindo. De verdade. A merda saiu voando da barriga. Fui á privada mijar. Fiz pontaria corretamente, mas saiu de lado e molhou o chão. Tentei mudar a pontaria, mas acabei molhando a tampa da privada, que esquecera de levantar. Puxei um pouco de papel higiênico e passei no lugar. Limpei a tampa. Joguei o papel dentro e dei descarga. Fui até a janela e vi um gato cagando no telhado ao lado. Aí voltei ao banheiro, peguei a escova de dentes, apertei a bisnaga. Saiu demais. Oscilou sobre a escova e caiu na pia. Era verde. Parecia uma lombriga verde. Meti o dedo nela, pus na escova e comecei a escovar. Dentes. Que coisa da porra. Tínhamos de comer. E comer e comer de novo. Éramos todos repugnantes, condenados aos nossos trabalhinhos sujos. Comer e peidar e se coçar e sorrir e festejar nos feriados."





 








Amor 

"Amor é pros guitarristas, católicos e fanáticos por xadrez."





 






Meu Truque do Desaparecimento


"Quando eu enchia o saco de ficar no bar
e às vezes eu enchia,
eu tinha um lugar para ir:
era um campo de capim alto
de 
um cemitério abandonado.
Eu não via aquilo como sendo um
passatempo mórbido.

Aquele só me parecia ser o melhor
lugar para estar.
Ele oferecia uma generosa cura para
ressacas violentas.
Através do capim dava para ver
as lápides,
muitas pendiam em ângulos estranhos
contra a gravidade,
como se precisassem cair
mas nunca vi nenhuma cair,
embora houvesse muitas delas
no cemitério.

Era fresco e escuro
com uma brisa
e várias vezes eu dormia lá.
Nunca fui incomodado.

Toda vez que eu retornava para o bar
depois de uma ausência
era sempre a mesma história com eles:
“onde diabos você andava? 
achamos que você tinha morrido!”

Para eles eu era o monstro do bar, 
eles precisavam de mim
para que se sentissem melhor.
Assim como eu, às vezes, 
precisava daquele
cemitério."





sexta-feira, 27 de novembro de 2020



 




Mulheres


"As mulheres me conheciam por antecipação por causa dos meus livros. Eu me expunha neles. Por outro lado, eu nada sabia delas. O risco era todo meu. Eu podia ser morto. Eu podia ser capado. Chinaski sem as bolas. Poemas de Amor de  um Eunuco."





quinta-feira, 26 de novembro de 2020





 Lamentando e se Queixando


"Ela escreve: você vai
se lamentar e se queixar
em seus poemas
sobre como eu trepei
com 2 caras na semana passada.
Eu te conheço.
Ela escreve para me
dizer que meu sensor
estava errado –
ela recém tinha trepado
com um terceiro cara,
mas ela sabe 
que não quero saber 
com quem, 
nem por que,
nem como. 
Ela encerra sua carta, 
“com amor”.


Ratos e baratas
triunfaram novamente.
Aí vem ele correndo de novo
com uma lesma em sua
boca, entoando
velhas canções de amor.
Feche as janelas,
lamente.
Feche as portas,
queixe-se
."





quarta-feira, 25 de novembro de 2020









Valentia


"- Você acredita em valentia?

- Gosto de ver a valentia em tudo: pássaros, reptéis, humanos.
- Por quê?
- Por quê? Me faz sentir bem. É uma questão de estilo diante da falta total de sorte."






domingo, 22 de novembro de 2020


 




40 graus


"Ela cortou as unhas dos meus pés
na noite passada, e pela manhã ela disse,
“acho que vou ficar deitada aqui
pelo resto do dia”.
O que significava que ela não iria trabalhar.
Ela estava em meu apartamento –
o que significava outro
dia e outra noite.


Ela era uma pessoa legal,
mas recém havia me dito 
que queria ter um filho, 
queria casar 
e fazia 40 graus lá fora.
Quando pensei em outra criança 
e outro casamento,
comecei realmente a passar mal.

Havia me resignado a morrer sozinho
em um pequeno quarto...
Agora ela tentava remodelar
meu plano de mestre.
Além disso ela sempre batia
a porta do meu carro com muita força
e comia com a cabeça perto demais da mesa.

Nesse dia havíamos ido ao correio,
a uma loja de departamentos
e depois a uma lanchonete para almoçar.
Já me sentia casado.
Na volta eu quase
entrei em um Cadillac.


“Vamos encher a cara”, eu disse.
“Não, não”, ela respondeu, “é muito cedo”.
E então ela lacrou a porta do carro.
Continuava fazendo 40 graus.


Quando abri a caixa do correio
descobri que a companhia de seguros
queria mais 76 pratas.
Subitamente ela invadiu o quarto correndo
e gritou, “OLHA, ESTOU FICANDO VERMELHA!
CHEIA DE MANCHAS! O QUE DEVO FAZER?”
“Tome um banho”, eu lhe disse.
Fiz um interurbano para a seguradora e
exigi saber a razão daquilo.


Ela começou a gritar e a gemer lá da
banheira e eu não conseguia ouvir nada
e disse, “um momento, por favor!”
Tapei o telefone com a mão
e gritei de volta para ela:
“OLHA SÓ! ESTOU NUM INTERURBANO!
SEGURE A ONDA, PELO AMOR DE DEUS!”


O pessoal da seguradora
insistia que eu lhes devia $76
e que me enviariam uma carta
explicando por quê.
Desliguei e me estiquei na cama.

Eu já estava casado,
me sentia casado.
Ela saiu do banheiro e disse,
“posso me deitar ao seu lado?”
e eu disse, “ok”.
Em dez minutos sua cor
tinha voltado ao normal.


Tudo porque ela havia tomado
um comprimido de niacina.
Ela se lembrou de que isso
acontecia sempre.
Ficamos ali estirados suando.

Nervos.
Ninguém tem espírito suficiente
para superar os nervos.
Mas eu não podia dizer isso a ela.
Ela queria ter seu bebê.
Mas que caralho."