domingo, 2 de agosto de 2020




 Para Jane Cooney Baker, morta em 22/01/1962



"E então você se foi
me deixando aqui
num quarto com uma cortina rasgada
e o Idílio de Siegfried
tocando no radinho vermelho.


E então você se foi tão rápido
quanto quando você veio pra mim,
e nós tínhamos dito adeus antes,
e quando eu estava limpando
seu rosto e lábios
você abriu os maiores olhos
que eu já tinha visto
e disse
“Eu devia saber que era você”
Você conseguiu ver
mas não por muito tempo.


E um homem velho
com pernas brancas e finas
na cama ao lado dizia,
“Eu não quero morrer,”
e seu sangue veio de novo
e eu o aparei com as mãos em concha
tudo o que ficou
das noites e dos dias também,
e o homem velho ainda estava vivo
mas você não estava,
nós não estamos.


E você foi como você veio,
você me deixou tão rápido
você já tinha me deixado várias vezes antes
quando eu pensava que isso me mataria
mas não,
e você sempre voltava.


Agora eu desliguei o rádio vermelho
e alguém no apartamento ao lado
bate uma porta a sentença final:
eu não vou te encontrar na rua,
o telefone não vai tocar,
e nenhum movimento vai
me deixar em paz.
Não basta que haja várias mortes
e que esta não seja a primeira;
não basta que eu viva mais muitos dias,
talvez até muitos anos.
Não basta.


O telefone é como um bicho morto
que não vai falar.
E quando falar de novo será
sempre a voz errada agora.
Antes eu esperava e você sempre entrava
porta adentro.
Agora você vai esperar por mim."


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